Terça-feira 04 de fevereiro - JOGANDO CONTRA O PRÓPRIO GOL - Uma esquerda que ama se autoflagelar

Nos últimos dias, um simples boné azul conseguiu gerar um volume impressionante de discussões, análises e, claro, reclamações. Criado por Sidônio Palmeira, estrategista da comunicação do governo Lula, o acessório trazia a frase "O Brasil é dos brasileiros" e rapidamente virou símbolo de embate político no Congresso. Mas, enquanto a oposição se agitava para criar uma resposta à altura, um fenômeno curioso aconteceu dentro da própria esquerda: uma avalanche de insatisfações, correções e críticas estéticas tomou conta do debate. O azul foi alvo de queixas. A tipografia foi questionada. Até uma acusação absurda de xenofobia apareceu e para isto eu recomendo o excelente e irretocável artigo de Roberto Ponciano, publicado aqui no 247. A esquerda, mais uma vez, mostrou sua incrível capacidade de transformar um acerto em motivo de autoflagelo. E enquanto alguns se empenhavam em dissecar os mínimos detalhes do acessório, a oposição já havia respondido com seu próprio boné e até pacotes de café irônicos. A verdade é que a esquerda brasileira tem uma dificuldade crônica em simplesmente celebrar vitórias simbólicas. Qualquer ação precisa passar por um escrutínio interminável, como se fosse possível atingir um estado de pureza ideológica e estética antes de ser validada. Enquanto isso, a direita age com pragmatismo: não perde tempo debatendo a tonalidade de um boné ou o design de uma fonte. Veste a camisa ou o boné e parte para a batalha comunicacional sem grandes angústias. Esse comportamento não é novo. Há tempos esta esquerda aqui parece mais confortável com a crítica do que com a celebração. Talvez seja um resquício do pensamento acadêmico que privilegia a desconstrução sobre a construção, ou talvez seja o reflexo de uma militância que se acostumou ao papel de resistência e não sabe muito bem o que fazer quando obtém pequenas vitórias no jogo da narrativa pública. Enquanto a direita ri e usa suas ferramentas de comunicação com coesão, a esquerda perde tempo em budejos intermináveis, analisando o que poderia ter sido feito de forma mais inclusiva, mais estética ou mais "correta". O problema é que, no campo da política, comunicação também é poder e simbologia também se disputa. E se a esquerda não aprender a ser feliz com seus próprios símbolos, corre o risco de perder até mesmo o direito de criá-los.
Este é um artigo de opinião, de responsabilidade da autora Sara Goes comunicadora brasileira, e não reflete a opinião do PORTAL